Em janeiro de 1973, com apenas 21 anos, Nuno da Câmara Pereira parte, numa Missão de Soberania em África – como nesta altura se chama –, para Zala, na região de Dembos, Norte de Angola, perto de Nambuangongo, localde acesos combates. Sendo chefe do Serviço de “Cripto” do batalhão de que faz parte, Nuno é o foco central de toda a informação codificada vinda do Comando de Lisboa e da descodificada, vinda das diversas companhias, que tem de cifrar eenviar para a metrópole. As funções que exerce são vitais, de alta segurança, e os seus dias são passados no subsolo, para escapar aos bombardeamentos. É nestes anos funestos que Nuno da Câmara Pereira se refugia no fado para aliviar a tensão, nos momentos de convívio com os camaradas. No mês de férias, que tem entre junho e julho de 1973, regressa Portugal, onde vem a casar-se, no dia 7 de julho, com a namorada de longa data, Luísa de Sousa Coutinho, jovem que conhece desde criança das férias passadas com a família na Praia das Maçãs.
De regresso a Zala, Nuno da Câmara Pereira mantém-se no cenário de guerra até Junho de 1974, altura em que o seu batalhão recebe ordens para retirar em direção à costa, para uma fazenda junto à cidade de Caxito,perto de Luanda. A Fazenda Tentativa tem cerca de 10 mil hectares dedicados à produção de cana-de-açúcar, uma refinaria própria e faz parte da Companhia do Açúcar de Angola, uma das maiores e mais avançadas produtoras do mundo. Nuno não perde a oportunidade de avançar com o estágio para concluir o seu curso de Engenharia Agrária: concorre, e é aceite, como técnico da exploração, funções que cumula com as desempenhadas no Exército.
Em dezembro de 1974, já 1º Sargento e com 23 anos, regressa a Lisboa. Aqui fixa residência, numa casa no Príncipe Real, e dá início à sua vida de casado. Mas Lisboa e o país estão em rebuliço, vive-se a época do gonçalvismo e da Reforma Agrária, pelo que, sendo um monárquico convicto mas também um democrata, o que encontra desagrada-lhe. “(…) Cheguei e encontrei o país entregue aos revolucionários. Por isso mesmo comecei a cantar o fado (…)”.(1) Do ponto de vista de Nuno da Câmara Pereira, Portugal “estava a ser intencionalmente destruído por algumas pessoas”. Por isso, “dei conta de mim a cantar o fado para defender os meus valores, o meu Portugal”(1), acrescenta. A segunda consequência deste estado de coisas é o progressivo despertar da consciência política de Nuno da Câmara Pereira.
Contudo, entretanto, há que terminar a vertente prática do seu curso. Começa a trabalhar como administrador da empresa agrícola da Herdadeda Janela, em Torrão, no Alentejo, quando está em plena vigência a ReformaAgrária. “Foi a única propriedade da região que não foi ocupada”, sublinha, com orgulho, muitos anos mais tarde. A isto, ainda soma o Curso de Medicina Veterinária, que começa a frequentar em 1975. Aos fins de semana, arranja tempo para se dedicar ao fado, cantando como amador no restaurante Altair, na Cruz Quebrada, na Tasca do Vítor, em Alcochete, e na “roda dos amigos”.